Sumário – Vestígio e Evidência
- Capítulo 1 – Conceitos Fundamentais: Vestígio, Indício e Evidência
- Capítulo 2 – Classificação dos Vestígios em Investigação Criminal
- Capítulo 3 – Vestígios em Local de Crime: Identificação e Fixação
- Capítulo 4 – Técnicas de Coleta de Vestígios
- Capítulo 5 – Embalagem, Acondicionamento e Transporte
- Capítulo 6 – Cadeia de Custódia: Registro e Controle
- Capítulo 7 – Principais Vestígios Específicos (Sangue, Impressões, Armas, Fibras)
- Capítulo 8 – Vestígios Digitais e Evidências Eletrônicas
- Capítulo 9 – Análise, Correlação de Dados e Construção da Evidência
- Capítulo 10 – Erros Comuns, Contaminação e Nulidade da Prova
- Capítulo 11 – Papel do Detetive e do Investigador Privado nos Vestígios
- Capítulo 12 – Checklist Operacional de Vestígios e Evidências
Capítulo 1 – Conceitos Fundamentais: Vestígio, Indício e Evidência
Toda investigação criminal gira em torno de três conceitos centrais: vestígio, indício e evidência. Sem compreensão clara dessas categorias, o profissional se perde entre meros boatos e elementos que realmente podem sustentar uma decisão judicial.
1.1. Vestígio
Vestígio é todo e qualquer sinal, alteração ou objeto relacionado ao fato investigado, encontrado no local de crime, na vítima, no suspeito ou em ambientes e instrumentos ligados ao evento. É a “matéria-prima” da prova pericial.
- Manchas de sangue ou outros fluidos.
- Projéteis, estojos, facas, armas em geral.
- Pegadas de calçado, marcas de pneu, impressões digitais.
- Fibras de tecido, cabelos, fragmentos de vidro.
- Arquivos digitais, mensagens, registros de acesso.
1.2. Indício
Indício é a interpretação lógica do vestígio, ou seja, a conclusão preliminar que se extrai daquele material à luz do contexto.
- Vestígio: pegada de calçado registrada em volta de uma residência arrombada.
- Indício: alguém com aquele tipo de calçado esteve no local no período do crime.
1.3. Evidência
Evidência é o conjunto de informações sólidas e tecnicamente analisadas, obtidas a partir de vestígios confirmados, que:
- aponta para uma autoria provável;
- confirma ou nega uma versão;
- auxilia diretamente na formação do convencimento da autoridade.
Capítulo 2 – Classificação dos Vestígios em Investigação Criminal
Classificar vestígios ajuda o profissional a organizar o local de crime e planejar melhor a coleta. É comum dividir os vestígios em categorias de acordo com a sua natureza e forma de apresentação.
2.1. Quanto à Origem
- Vestígios físicos: objetos, armas, ferramentas, fragmentos sólidos.
- Vestígios biológicos: sangue, saliva, sêmen, tecidos, ossos, cabelos.
- Vestígios químicos: drogas, combustíveis, resíduos de pólvora, venenos.
- Vestígios digitais/eletrônicos: arquivos, e-mails, registros de acesso, logs.
2.2. Quanto à Visibilidade
- Visíveis: facilmente identificáveis a olho nu (por exemplo, poça de sangue).
- Latentes: não perceptíveis sem técnica (impressões digitais reveladas por pó).
- Moldados: impressos em material maleável (pegadas em lama, marcas em sabão).
2.3. Quanto à Relação com o Fato
- Vestígio típico: claramente relacionado à dinâmica do crime (projétil em homicídio).
- Vestígio atípico: em princípio sem relação direta, mas que pode revelar informações (embalagem no local).
- Vestígio ambiental: condições de clima, iluminação, portas e janelas, arrumação do ambiente.
Capítulo 3 – Vestígios em Local de Crime: Identificação e Fixação
O local de crime é um “quadro congelado” do fato. Se for alterado sem cuidado, perde-se a conexão lógica entre vestígios, e a investigação fica comprometida.
3.1. Primeira Resposta
- Avaliar riscos imediatos (vítimas, fogo, vazamentos, suspeito ainda presente).
- Prestar socorro quando necessário – a vida vem antes da prova.
- Isolar o local com fitas, cones ou barreiras improvisadas.
- Limitar a entrada a pessoas estritamente necessárias.
3.2. Varredura Inicial
Antes de coletar qualquer coisa, é preciso ver e registrar:
- Fotografias gerais do ambiente (ângulos amplos).
- Fotografias de médio alcance (áreas de interesse).
- Fotografias de detalhes (vestígios específicos com escala métrica).
- Croquis (desenhos) marcando posição de corpo, móveis, portas, janelas, objetos.
3.3. Fixação dos Vestígios
Fixar é “prender no papel” (ou no arquivo digital) a forma como o vestígio foi encontrado:
- Local exato (cômodo, posição, altura).
- Condição do vestígio (seco, úmido, fragmentado, queimado).
- Relação com outros elementos (perto da vítima, próximo à porta, sob a janela).
Capítulo 4 – Técnicas de Coleta de Vestígios
A coleta é o momento em que o vestígio sai do ambiente natural e passa para o controle da investigação. Um erro aqui pode inutilizar o material para sempre.
4.1. Equipamentos Básicos
- Luvas descartáveis (evitar contaminação e deixar digitais pessoais).
- Máscaras, óculos de proteção, aventais (quando necessário).
- Pinças, espátulas, tesouras, pipetas.
- Sacos de papel e plástico, envelopes, tubos coletores.
- Fitografite, pós para impressão, pincéis.
- Câmera fotográfica ou celular com boa qualidade e bateria.
4.2. Coleta de Vestígios Biológicos
Fluidos corporais (sangue, saliva, sêmen) exigem cuidado especial:
- Usar luvas e, se necessário, máscara e óculos.
- Evitar tocar diretamente no vestígio; utilizar swabs ou instrumentos.
- Permitir que materiais úmidos sequem à temperatura ambiente, quando possível, antes de embalar.
- Identificar com data, local exato e tipo de material.
4.3. Coleta de Vestígios Físicos
- Armas brancas: segurar por áreas com menor probabilidade de vestígios (sempre com luva).
- Projéteis: evitar tocar nas estrias (envolver em algodão ou papel macio).
- Fragmentos de vidro: recolher com cuidado em recipientes rígidos.
- Fibras e cabelos: utilizar pinças e armazenar em envelopes de papel.
4.4. Coleta de Vestígios de Impressões
Impressões digitais, palmares ou plantares podem ser:
- Reveladas com pós (preto, magnético, fluorescente).
- Levantadas com fita adesiva transparente.
- Transferidas para cartão contraste e identificadas adequadamente.
Capítulo 5 – Embalagem, Acondicionamento e Transporte
A embalagem correta protege o vestígio de contaminação, perda ou degradação. Cada tipo de material pede um tipo de acondicionamento.
5.1. Princípios Gerais
- Usar uma embalagem para cada vestígio (não misturar).
- Identificar externamente sem confundir com rótulos de fabricante.
- Evitar embalagens muito grandes para vestígios pequenos (risco de deslocamento).
- Selar e lacrar de modo que qualquer violação seja perceptível.
5.2. Materiais Biológicos
- Preferência por sacos de papel que permitam ventilação.
- Não embalar materiais úmidos em plástico fechado (risco de fungos e degradação).
- Manter longe de calor excessivo e luz solar direta.
5.3. Materiais Físicos
- Armas e ferramentas: caixas rígidas ou estojos adequados, fixando o objeto internamente.
- Projéteis e estojos: recipientes pequenos e rígidos, com material macio no interior.
- Fragmentos pequenos: envelopes de papel ou tubos adequados.
5.4. Transporte
- Evitar exposição prolongada ao sol e calor intenso.
- Proteger contra umidade (chuva, goteiras, contato com líquidos).
- Registrar data e horário de saída do local e de chegada ao laboratório.
Capítulo 6 – Cadeia de Custódia: Registro e Controle
Cadeia de custódia é o histórico documentado de todos os passos do vestígio, desde a coleta até a apresentação em juízo. Sem esse controle, a prova pode ser contestada.
6.1. Etapas Básicas
- Coleta: vestígio é identificado, descrito, fotografado e embalado.
- Registro: preenchimento de formulários com código, descrição, data, hora, coletor.
- Transporte: envio ao laboratório ou setor responsável, com registro de saída e chegada.
- Recebimento: conferência, armazenamento e anotação de quem recebeu.
- Análise: exames periciais, com referência aos códigos dos vestígios.
- Armazenamento e descarte: guarda controlada até decisão final sobre o caso.
6.2. Registro de Transferência
Cada vez que o vestígio muda de mão, deve ser registrado:
- Quem entregou e quem recebeu.
- Data, hora e motivo da transferência.
- Condição do lacre (íntegro ou com sinais de violação).
Capítulo 7 – Principais Vestígios Específicos (Sangue, Impressões, Armas, Fibras)
Alguns vestígios aparecem com muita frequência em investigações e merecem atenção especial, tanto pelo valor probatório quanto pela facilidade de contaminação.
7.1. Sangue e Outros Fluidos
- Podem indicar local primário do ataque, trajeto de fuga, posição de vítima e agressor.
- Manchas em forma de gotas, borrifos, respingos e esguichos sugerem tipos diferentes de ação.
- Podem ser usados em exames de DNA e em análises de padrão de manchas de sangue.
7.2. Impressões Digitais e Palmares
- Ligam pessoas a objetos, armas, portas, janelas e veículos.
- Podem ser latentes, exigindo revelação (pó, reagentes, cianoacrilato).
- Têm alto valor identificatório quando analisadas por peritos.
7.3. Armas de Fogo e Munições
- Permitem exames de balística (trajetória, distância, compatibilidade com projéteis).
- Podem conter impressões, resíduos de disparo e DNA.
- Devem ser manuseadas com extremo cuidado para não alterar a posição de peças.
7.4. Fibras, Cabelos e Tecidos
- Podem indicar contato entre agressor e vítima.
- Fibras de roupa ou estofado podem ser transferidas em empurrões, lutas, abraços.
- Cabelos, com bulbo, podem ser usados para DNA; sem bulbo, para análises comparativas.
Capítulo 8 – Vestígios Digitais e Evidências Eletrônicas
Na era da tecnologia, grande parte dos vestígios relevantes está em celulares, computadores, câmeras, sistemas de monitoramento e servidores. Esses vestígios exigem cuidados próprios.
8.1. Tipos de Vestígios Digitais
- Mensagens de texto e aplicativos (WhatsApp, Telegram, e-mail).
- Registros de ligações e localização.
- Histórico de navegação, pesquisas, acessos a sistemas.
- Arquivos de foto, vídeo, áudio, documentos diversos.
- Logs de servidores, sistemas de câmeras, alarmes.
8.2. Preservação
- Evitar manuseio desnecessário de dispositivos (pode alterar dados).
- Desligar adequadamente quando necessário ou manter ligado em modo seguro, conforme protocolo pericial.
- Proteger contra formatações, restaurações e exclusões acidentais.
8.3. Limites Legais
A coleta de dados sigilosos (conteúdo de mensagens, dados de geolocalização, registros de operadoras) depende, em regra, de ordem judicial e é executada por autoridade pública.
Capítulo 9 – Análise, Correlação de Dados e Construção da Evidência
Vestígio sozinho fala pouco. É na correlação entre vários vestígios, depoimentos, laudos e registros que se constrói a evidência robusta.
9.1. Linha do Tempo
Uma ferramenta útil é a montagem de uma linha do tempo com:
- Horário aproximado de cada evento.
- Local onde cada vestígio foi encontrado.
- Posição de vítimas, suspeitos e testemunhas ao longo do tempo.
9.2. Compatibilidade entre Versões e Vestígios
- Versão do suspeito: confere com posição de manchas de sangue?
- Declarações de testemunhas: são compatíveis com câmeras e registros de telefone?
- A distância e a direção de disparos batem com ferimentos e projéteis?
9.3. Hipóteses Investigativas
O investigador levanta hipóteses e testa cada uma contra os vestígios:
- Se o crime foi acidental, os vestígios devem refletir isso.
- Se houve simulação, geralmente aparecem contradições físicas.
- Hipóteses que não combinam com os vestígios são descartadas ou reavaliadas.
Capítulo 10 – Erros Comuns, Contaminação e Nulidade da Prova
Alguns erros se repetem em investigações e podem levar à perda total do valor do vestígio como prova. Conhecê-los é o primeiro passo para evitá-los.
10.1. Contaminação
- Pessoas circulando sem luvas, pisando em poças de sangue, manipulando objetos.
- Mistura de vestígios de casos diferentes na mesma embalagem.
- Uso de ferramentas sujas ou previamente utilizadas em outro local.
10.2. Alteração do Local
- Remover o corpo antes da chegada da perícia (quando não há risco à vida).
- Organizar o ambiente “para não chocar” familiares.
- Apagar manchas, varrer o chão, jogar fora objetos aparentemente “feios”.
10.3. Falhas na Cadeia de Custódia
- Não registrar quem coletou e quem recebeu o vestígio.
- Não lacrar embalagens ou usar lacres reaproveitados.
- Deixar materiais sem identificação clara em armários e gavetas.
Capítulo 11 – Papel do Detetive e do Investigador Privado nos Vestígios
Embora a perícia oficial seja função do Estado, o detetive particular e o investigador privado podem atuar de forma estratégica em relação aos vestígios.
11.1. Preservação e Orientação
- Orientar o cliente a não mexer em objetos potencialmente importantes.
- Evitar “limpezas” antes da chegada da polícia em casos graves.
- Registrar em foto e vídeo o estado inicial do local sempre que possível.
11.2. Vestígios em Investigação Privada
Em casos em que não há perícia oficial imediata (por exemplo, investigação para defesa), o detetive pode:
- Documentar vestígios com rigor (fotos, vídeos, croquis).
- Recolher materiais simples (como documentos rasgados, embalagens, cartas) com cuidado.
- Manter registro de data, hora e local da coleta.
11.3. Limites
- Não é função do detetive substituir o perito oficial em exames complexos.
- O profissional não deve manipular corpos ou alterar locais de crime em casos de morte violenta.
- Coletas de alta complexidade (biologia, balística, química) devem ficar a cargo de peritos especializados.
Capítulo 12 – Checklist Operacional de Vestígios e Evidências
Para auxiliar na prática, segue um checklist que pode ser adaptado para cada caso, servindo como guia rápido em campo.
12.1. Antes de Entrar no Local
- Verificar se há risco imediato (agressor, fogo, vazamentos, desabamento).
- Acionar socorro, se necessário.
- Iniciar isolamento da área.
12.2. Ao Entrar no Local
- Usar luvas e, quando necessário, equipamentos de proteção.
- Observar o ambiente geral sem tocar em nada.
- Registrar fotos e vídeos gerais.
12.3. Identificação e Fixação
- Listar vestígios visíveis: manchas, objetos fora do lugar, portas/janelas.
- fotografar vestígios específicos com escala métrica.
- Marcar posição aproximada em croqui do local.
12.4. Coleta e Embalagem
- Coletar primeiro vestígios mais frágeis (fibras soltas, cinzas, materiais expostos ao vento).
- Usar embalagens adequadas conforme o tipo de vestígio.
- Identificar cada embalagem com código, local, data, hora e coletor.
12.5. Cadeia de Custódia
- Registrar quem colheu e quem recebeu os vestígios.
- Registrar transporte (data, hora, origem e destino).
- Conferir lacres a cada transferência.
12.6. Elaboração de Relatório
- Descrever o local, condições e vestígios encontrados.
- Indicar claramente o que é observação direta e o que é interpretação.
- Relacionar vestígios aos anexos (fotos, vídeos, croquis).