Sumário – Entrevista Investigativa
- Capítulo 1 – Conceitos, Objetivos e Diferença entre Entrevista e Interrogatório
- Capítulo 2 – Fundamentos Éticos e Limites Legais da Entrevista
- Capítulo 3 – Perfil do Entrevistador Investigativo
- Capítulo 4 – Preparação da Entrevista: Planejamento e Ambiente
- Capítulo 5 – Construção de Rapport e Clima de Confiança
- Capítulo 6 – Técnicas de Perguntas e Estrutura da Conversa
- Capítulo 7 – Escuta Ativa, Linguagem Corporal e Sinais de Inconsistência
- Capítulo 8 – Entrevista com Vítimas
- Capítulo 9 – Entrevista com Testemunhas
- Capítulo 10 – Entrevista com Suspeitos
- Capítulo 11 – Entrevistas em Contexto Digital (WhatsApp, Vídeo, Áudio)
- Capítulo 12 – Registro, Documentação e Uso Jurídico da Entrevista
- Capítulo 13 – Erros Comuns e Boas Práticas
- Capítulo 14 – Checklist Operacional de Entrevista Investigativa
Capítulo 1 – Conceitos, Objetivos e Diferença entre Entrevista e Interrogatório
A entrevista investigativa é uma técnica estruturada de obtenção de informações, utilizada por detetives, investigadores, policiais, advogados e outros profissionais ligados à apuração de fatos. Ela não é uma simples conversa informal: possui objetivos claros, metodologia e cuidados éticos e legais.
1.1. Objetivos da Entrevista Investigativa
- Obter relatos detalhados sobre fatos, pessoas, horários e locais.
- Esclarecer contradições, dúvidas e lacunas de informação.
- Avaliar a coerência interna do relato do entrevistado.
- Recolher elementos que possam orientar novas diligências.
- Auxiliar na confirmação ou descarte de hipóteses investigativas.
1.2. Entrevista x Interrogatório
Embora, no uso comum, as palavras às vezes se confundam, na prática profissional é importante distinguir:
- Entrevista: enfoque mais aberto, exploratório; pode ser com testemunhas, vítimas, suspeitos; busca-se ouvir, compreender e detalhar.
- Interrogatório: usualmente aplicado a investigados em contexto formal (polícia, Justiça), com maior carga de confronto em casos de contradição.
No ambiente privado, o detetive costuma trabalhar essencialmente com entrevistas, evitando adotar postura de autoridade estatal ou métodos que possam configurar abuso.
Capítulo 2 – Fundamentos Éticos e Limites Legais da Entrevista
Entrevistar sem conhecimento ético e jurídico é colocar em risco o caso, o cliente e o próprio profissional. A forma como as informações são obtidas interfere diretamente no valor que elas terão como prova.
2.1. Princípios Éticos
- Respeito à dignidade: nenhuma humilhação, ameaça ou tratamento degradante.
- Honestidade: não mentir sobre sua identidade ou finalidade da entrevista.
- Sigilo: preservar o conteúdo da conversa conforme combinado com o cliente e a lei.
- Imparcialidade relativa: ouvir de fato, sem fechar questão antes de ouvir a outra parte.
2.2. Limites Legais
- Não coagir o entrevistado por violência ou grave ameaça.
- Não prometer benefícios jurídicos que o profissional não pode garantir.
- Respeitar direitos de menores, idosos e pessoas vulneráveis.
- Não violar sigilo protegido em lei (médico, advogado etc.), salvo exceções previstas.
2.3. Consentimento
Sempre que possível, o entrevistado deve saber:
- Quem é o entrevistador (nome, função).
- Qual o objetivo geral da conversa.
- Se a entrevista está sendo gravada e como as informações poderão ser utilizadas.
Capítulo 3 – Perfil do Entrevistador Investigativo
Entrevista de qualidade depende menos de “técnicas milagrosas” e mais do perfil e postura do entrevistador. O Investigador precisa ser ao mesmo tempo firme e humano.
3.1. Características Desejáveis
- Calma e autocontrole, mesmo ouvindo fatos graves ou provocativos.
- Capacidade de escuta real, não apenas “esperar sua vez de falar”.
- Curiosidade profissional, fazendo perguntas estratégicas.
- Respeito e empatia, sem perder o foco da investigação.
- Capacidade de pensar rápido e adaptar o roteiro conforme as respostas.
3.2. Atitudes que Prejudicam
- Prejulgar o entrevistado antes de ouvir sua versão.
- Discutir, confrontar ou ridicularizar durante a entrevista.
- Demonstrar impaciência, pressa ou desinteresse.
- Expor opiniões políticas, religiosas ou morais de forma agressiva.
3.3. Autoconsciência
O bom entrevistador monitora a si mesmo:
- Percebe quando está ficando irritado ou cansado.
- Reconhece seus próprios preconceitos e tenta neutralizá-los.
- Evita entrar em “disputa de ego” com o entrevistado.
Capítulo 4 – Preparação da Entrevista: Planejamento e Ambiente
A entrevista começa muito antes do “bom dia” ao entrevistado. Um bom planejamento aumenta as chances de obter informação útil e reduz riscos de falha.
4.1. Estudo Prévio do Caso
- Ler tudo o que já existe: B.O., laudos, conversas, relatórios anteriores.
- Montar uma linha do tempo básica dos fatos.
- Identificar lacunas, contradições e pontos sensíveis.
4.2. Definição de Objetivos
Antes de sentar com o entrevistado, responda:
- O que preciso esclarecer com essa pessoa?
- Que tipo de informação só ela pode fornecer?
- Qual o mínimo que preciso obter para considerar a entrevista útil?
4.3. Escolha do Local e Ambiente
- Ambiente silencioso, sem interrupções constantes.
- Cadeiras confortáveis, disposição que permita contato visual.
- Evitar locais intimidadores ou barulhentos demais.
- Cuidar da segurança (não faça entrevistas críticas em locais isolados sem planejamento).
4.4. Duração e Agenda
Entrevistas muito longas cansam entrevistador e entrevistado:
- Planejar blocos de tempo (por exemplo, 60–90 minutos).
- Prever intervalos em casos mais pesados (vítimas traumatizadas).
- Evitar marcar várias entrevistas muito importantes no mesmo dia sem folga mental.
Capítulo 5 – Construção de Rapport e Clima de Confiança
Rapport é a conexão mínima de confiança e colaboração entre entrevistador e entrevistado. Sem esse clima, a entrevista tende a ser defensiva, superficial ou excessivamente tensa.
5.1. Primeiros Minutos
- Apresentar-se com nome e função, de forma simples.
- Explicar o objetivo geral: “preciso entender o que aconteceu, na sua visão”.
- Deixar claro se a entrevista é voluntária e se a pessoa pode interromper.
- Estabelecer tom de respeito, sem brincadeiras inadequadas.
5.2. Comunicação Não Verbal
- Postura aberta, sem cruzar braços de forma defensiva.
- Contato visual equilibrado (sem encarar de forma intimidante).
- Tom de voz calmo, estável, firme sem ser agressivo.
5.3. Validação e Empatia
Mostrar que você está ouvindo e compreendendo não significa concordar com tudo:
- Usar frases como “entendo o que o senhor está dizendo”, “obrigado por explicar”.
- Evitar julgamentos morais durante o relato.
- Respeitar o tempo do entrevistado para responder, especialmente em temas emocionais.
Capítulo 6 – Técnicas de Perguntas e Estrutura da Conversa
O tipo de pergunta que você faz determina o tipo de resposta que você recebe. A entrevista investigativa precisa alternar perguntas abertas, fechadas, de esclarecimento, de confirmação e, quando necessário, de confronto respeitoso.
6.1. Perguntas Abertas
Permitem que o entrevistado conte com suas palavras:
- “Conte, com calma, o que aconteceu naquele dia.”
- “Como era o relacionamento entre vocês antes disso?”
- “Explique na sua visão como começou a discussão.”
6.2. Perguntas Fechadas
Buscam detalhes específicos:
- “O senhor chegou às 19h ou às 20h?”
- “O carro era vermelho?”
- “Ele estava armado, sim ou não?”
6.3. Perguntas de Esclarecimento
- “O senhor pode explicar melhor o que quis dizer com ‘ele ficou estranho’?”
- “Quando fala ‘muito tarde’, seria por volta de que horário?”
6.4. Perguntas de Confronto Respeitoso
Utilizadas quando há contradições entre versões ou com outros elementos:
- “O senhor disse aqui que nunca o viu antes, mas temos imagens de vocês conversando alguns dias antes. Como o senhor explica isso?”
- “No início, o senhor falou que estava sozinho, mas duas testemunhas afirmam que havia outra pessoa. Poderia esclarecer?”
6.5. Perguntas que Devem ser Evitadas
- Perguntas que induzem: “Ele bateu em você, não foi?”
- Perguntas múltiplas: “Ele entrou, pegou a arma e já saiu correndo?”
- Perguntas humilhantes ou irônicas.
Capítulo 7 – Escuta Ativa, Linguagem Corporal e Sinais de Inconsistência
A entrevista investigativa exige atenção não apenas às palavras, mas também à forma como elas são ditas. Entretanto, é importante ter cautela: linguagem corporal não é “detector de mentiras” infalível.
7.1. Escuta Ativa
- Olhar para o entrevistado enquanto ele fala.
- Evitar interromper desnecessariamente.
- Repetir ou resumir pontos importantes: “Então o senhor disse que...”.
- Checar se entendeu: “É isso mesmo?”
7.2. Linguagem Corporal
Alguns sinais podem indicar desconforto, nervosismo ou evasão, mas não podem ser interpretados isoladamente:
- Desviar muito o olhar em temas específicos.
- Mudar de assunto rapidamente quando algo é perguntado.
- Aumento repentino de movimentos (mãos, pernas) ao tocar em certos pontos.
7.3. Sinais de Inconsistência
- Relatos que mudam de versão em pouco espaço de tempo.
- Dificuldade em manter a mesma sequência de eventos.
- Explicações vagas demais em pontos críticos (horário, local, pessoas presentes).
Capítulo 8 – Entrevista com Vítimas
Entrevistar vítimas exige sensibilidade e, ao mesmo tempo, firmeza para obter informações suficientes. Em muitos casos, a vítima está abalada, com medo ou vergonha.
8.1. Cuidados Especiais
- Explicar que o objetivo é entender melhor o que ela passou.
- Permitir pausas quando a vítima se emocionar.
- Evitar perguntas que soem como culpabilização (“por que você não saiu antes?”).
- Respeitar limites: se não quiser falar de algo naquele momento, registrar e retornar depois, se possível.
8.2. Organização do Relato
- Começar com perguntas abertas (“conte como tudo começou”).
- Depois, ir detalhando: datas, horários, locais, várias ocorrências semelhantes.
- Explorar se houve testemunhas, registros, mensagens, laudos médicos.
8.3. Risco de Memórias Contaminadas
- Evitar sugerir fatos que a vítima não mencionou (“então ele te empurrou na escada, né?”).
- Registrar dúvidas: memórias antigas e traumatizantes podem vir com falhas de precisão.
- Distinguir o que a vítima viu diretamente e o que ela “ouviu dizer”.
Capítulo 9 – Entrevista com Testemunhas
Testemunhas são peças fundamentais na reconstrução dos fatos. Porém, podem estar influenciadas por boatos, simpatia por uma das partes ou medo de represálias.
9.1. Identificação da Posição da Testemunha
- Testemunha ocular (viu diretamente o fato).
- Testemunha de ouvido (ouviu barulhos, gritos, tiros).
- Testemunha referencial (soube por terceiros).
9.2. Estratégia Básica
- Começar com relato livre: “conte o que o senhor sabe sobre esse fato”.
- Depois, detalhar pontos-chave: onde estava, com quem estava, o que viu/ ouviu.
- Separar claramente o que a testemunha viu do que ela acha ou supõe.
9.3. Evitando Influenciar a Testemunha
- Não mostrar documentos ou vídeos antes da testemunha relatar espontaneamente.
- Não dizer o que “outras testemunhas já afirmaram”.
- Evitar perguntas que sugerem uma versão específica.
Capítulo 10 – Entrevista com Suspeitos
Entrevistar suspeitos é uma das tarefas mais delicadas. É preciso firmeza, respeito e clareza de objetivos, sempre dentro dos limites legais.
10.1. Cuidados Iniciais
- Deixar claro que a pessoa é suspeita, não “sentenciar” culpa.
- Evitar ameaças ou promessas indevidas.
- Manter postura profissional, sem intimidação física ou verbal.
10.2. Estratégia de Condução
- Permitir que o suspeito apresente sua versão sem interrupção.
- Registrar com cuidado todas as alegações de álibi (locais, pessoas, horários).
- Após a versão, confrontar, se necessário, com outros elementos (sempre com respeito).
10.3. Reação a Mentiras Evidentes
- Evitar chamá-lo simplesmente de mentiroso.
- Apresentar o fato objetivo: “o senhor disse que estava em casa, mas essa gravação mostra o senhor em outro local. Como explica?”
- Registrar a nova versão, se ele modificar o relato.
Capítulo 11 – Entrevistas em Contexto Digital (WhatsApp, Vídeo, Áudio)
Nem sempre é possível entrevistar presencialmente. Ferramentas digitais podem ajudar, mas também trazem limitações.
11.1. Entrevistas por Áudio ou Telefone
- Apresentar-se claramente no início da ligação.
- Evitar tratar de temas muito sensíveis em locais públicos.
- Tomar cuidado com gravações conforme a legislação local.
11.2. Entrevistas por Vídeo (chamadas)
- Verificar conexão, iluminação e privacidade do entrevistado.
- Observar expressão facial e corporal dentro do possível.
- Registrar data, horário e plataforma utilizada.
11.3. Conversas Escritas (WhatsApp, e-mail)
- Cuidar com interpretações equivocadas de texto (ausência de tom de voz).
- Guardar prints com data, horário e, se possível, URL da conversa.
- Evitar “discussões” em texto – priorizar coleta organizada de informações.
Capítulo 12 – Registro, Documentação e Uso Jurídico da Entrevista
Uma boa entrevista investigativa precisa ser bem documentada para ter valor prático e jurídico. Confiar apenas na memória é um erro clássico.
12.1. Formas de Registro
- Anotações detalhadas durante ou logo após a entrevista.
- Gravação de áudio ou vídeo, quando lícita e consentida ou permitida.
- Formulários padronizados para dados básicos (nome, documento, contato).
12.2. Organização dos Registros
- Identificar claramente cada entrevista com código do caso.
- Registrar data, hora, local e duração aproximada.
- Guardar arquivos digitais em pastas específicas, com backup.
12.3. Uso em Processos
- Entrevistas privadas podem orientar advogados em perguntas futuras em audiência.
- Relatórios de entrevista podem ser anexados a inquéritos ou ações cíveis, se o advogado entender conveniente.
- É importante separar relato literal do entrevistado de comentários e interpretações do investigador.
Capítulo 13 – Erros Comuns e Boas Práticas
Alguns erros se repetem nas entrevistas investigativas e podem comprometer a confiabilidade das informações. Conhecê-los ajuda a evitá-los.
13.1. Erros Frequentes
- Chegar despreparado, sem ter lido o caso.
- Falar mais do que ouvir.
- Interromper o entrevistado o tempo todo.
- Induzir respostas com perguntas mal formuladas.
- Demonstrar julgamento moral ou agressividade.
- Não registrar de forma organizada o que foi dito.
13.2. Boas Práticas
- Sempre revisar o objetivo da entrevista antes de iniciá-la.
- Manter postura respeitosa e profissional.
- Deixar o entrevistado falar, intervindo com perguntas claras.
- Separar fato, opinião e interpretação no relatório.
- Garantir confidencialidade dentro do combinado com o cliente e com a lei.
Capítulo 14 – Checklist Operacional de Entrevista Investigativa
Para facilitar o uso prático, segue um checklist que pode ser adaptado e impresso pelo profissional.
14.1. Antes da Entrevista
- ( ) Li todo o material já existente sobre o caso.
- ( ) Defini objetivos claros para esta entrevista.
- ( ) Escolhi local adequado, reservado e seguro.
- ( ) Verifiquei materiais de registro (papel, caneta, gravador, bateria).
14.2. Início da Entrevista
- ( ) Apresentei meu nome e função.
- ( ) Expliquei o objetivo geral da conversa.
- ( ) Informei se a entrevista será registrada/gravada.
- ( ) Estabeleci tom respeitoso e profissional.
14.3. Durante a Entrevista
- ( ) Comecei com perguntas abertas.
- ( ) Usei perguntas de esclarecimento para detalhes importantes.
- ( ) Evitei interromper sem necessidade.
- ( ) Marquei mentalmente (ou por anotação) pontos contraditórios.
14.4. Encerramento
- ( ) Fiz um breve resumo para confirmar se entendi corretamente.
- ( ) Perguntei se o entrevistado queria acrescentar algo.
- ( ) Registrei data, hora, local e duração aproximada.
14.5. Pós-Entrevista
- ( ) Organizei anotações e arquivos (áudio, vídeo, prints).
- ( ) Identifiquei pontos que exigem novas diligências.
- ( ) Atualizei o relatório geral do caso com as informações relevantes.